A boca do silêncio
Prometo não machucá-la sob qualquer hipótese. Prometo
não submetê-la ao medo e ao terror. Prometo não expô-la aos risos sórdidos
desta cidade. Prometo meu silêncio acima de tudo, de todos, de nós. Prometo
manter trancado tudo o que sinto. Prometo jogar a chave desse cofre no mar.
Prometo jamais roubar teu riso lindo. Prometo jamais falar, sugerir ou
comentar. Prometo respeitá-la como mulher, garota. Prometo jamais deixá-la sob
o frio da garoa. Prometo não sangrar ninguém por nossa causa. Prometo
integridade, caráter, amor. Prometo resistir a tua voz arisca. Prometo resistir
ao teu olhar atento. Prometo preservar a tua alma pura. Prometo ficar mudo,
parado, quieto. Prometo riscar a luz do meu futuro paralela a sua, deixando que
os ventos da vida me levem para o que der e vier, para o que não der e o que
não vier, essa poeira cósmica linda e improvisada chamada destino, solando
aguda e distorcida na trilha do acaso, do perfeito, do imperfeito, do que for.
Prometo não cobrar, não espremer, não pressionar, sabendo que os tempos são
dois tempos, as histórias duas histórias e que viver é redenção. Prometo orar
por nossas liberdades, nossos barcos sobre mares muito azuis, à deriva como a
sombra das montanhas, à deriva como os sonhos, devaneios. Prometo me atirar no
imprevisível, como herói da resistência em teu nome, flutuar parado e quieto
nos teus dedos, tão secreto quanto a origem do Universo. Prometo honrá-la
sempre na memória se o destino e o inusitado se unirem, separando nossos barcos
nossos mares, nossos sonhos, nossas glórias e moinhos. Prometo enfrentar nossos
algozes, com o silêncio da inocência a meu favor, mesmo que o acaso submeta-me
a tortura, jamais pronunciarei teu nome em vão. Prometo, prometo, prometo, como
seu cavalheiro, cavaleiro e confessor, ajudá-la a domar o impossível, sob o
manto do segredo redentor. Prometo não mudar essa paisagem, onde apareces
livre, linda e úmida, mesmo que em outros braços, outras bocas, outros homens,
não importa. O amor é altruísta. Prometo revelar os meus perigos, meu desejos,
meu encanto, meu furor. Agora vou gozar em algum recanto, como um garoto às
escondidas, madrugada. Vou gozar sobre você e sob a luz do pensamento inebriado,
e só eu saberei o que sentir com a lama quente escorrendo por minhas pernas,
meus lençóis, meu edredom. Você mais uma vez no pensamento, pela vigésima
quinta hora consecutiva, no segredo de meu corpo, da minha mente, que ninguém
ousará querer entrar. Sim, eu posso. Eu posso, eu posso beber o cheiro do teu
cio, mamar o bico dos teus seios, fazer-me seu até o último Anel de Brooklyn.
Apenas eu, no meu silêncio, sentirei o que é tê-la entre os braços, entre as
pernas, os seus gemidos, os seus gritos, as suas falas, suas mordidas. Mulher,
que bom que estás distante e dormindo. Se aqui estivesse ceifaríamos o
imoralismo por três dias e três noites, todas as cruzas impossíveis e boçais,
dos amantes que se agarram e se espremem, se engalfinham até as últimas
inconsequências. Vou honrá-la agora mesmo na água quente, do chuveiro minha
única testemunha, estraçalhado de paixão e felicidade, desonrando o desonrável
sem pudor. Homem. Sou teu homem, seu amigo e feiticeiro, afogado em suas doidas
fantasias, inquietas taras sadias. Jorrar uma avalanche no colo, útero;
lágrimas, prazer, rosto avermelhado. Retornar ao meu silêncio sem promessas, em
teu nome, em nosso nome, luar vadio, cama do Universo.
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